Ajustes directos: 2,6 milhões de euros no espaço de 1 ano e meio

Dinheiro Público

Segundo pude apurar (não encontrei a legislação mas fontes consultadas levam-me a crer que corresponde à verdade), o instrumento comummente conhecido como ajuste directo terá sido criado pelo primeiro governo Sócrates no ano de 2008. Existe quem defenda a utilização deste mecanismo, que poderá em alguns casos representar vantagens momentâneas, mas a verdade é que a utilização do ajuste directo contribuiu para um clima de permanente suspeição sobre a forma como o dinheiro dos contribuintes é utilizado. Não só por ser uma prática pouco escrutinada que permite a utilização de fundos públicos em quantidades consideráveis, mas também porque coloca um imenso ponto de interrogação sobre a questão da relação qualidade/preço e, a meu ver principalmente, porque ser uma prática potencialmente geradora de situações de promiscuidade. O que de resto não é exclusivo dos ajustes directos mas de toda a contratação pública em geral. Um bom exemplo disso mesmo é a adjudicação da obra dos parques à empresa que na altura apresentava apenas o quinto melhor orçamento entre as propostas existentes e que, como é do conhecimento de todos, não cumpriu prazos e colocou mesmo em cheque a concretização da obra.

No caso concreto do nosso concelho, estes contratos têm estado envoltos em constantes polémicas. Durante o consulado socialista, várias foram as críticas por parte da oposição, sendo que o vídeo da JSD, disseminado em força pelas redes sociais não apenas pelos “jotas” mas também por militantes da estrutura sénior, terá sido a expressão máxima das mesmas. Entretanto o poder virou à direita e nunca mais se ouviu uma palavra que fosse sobre o assunto da parte destes protagonistas. O que não significa que a situação tenha sofrido alterações substanciais. Aliás, e após algumas denuncias, algumas delas feitas neste blogue, também os socialistas trofenses começaram a fazer deste assunto um dos seus cavalos de batalha, não obstante o silêncio a que se remeteram enquanto o seu partido ocupava o poder. Interessante que estruturas que se afirmam tão diferentes uma da outra adoptem comportamentos tão semelhantes.

O actual mandato da coligação Unidos pela Trofa leva agora um ano e meio à frente dos destinos do concelho. Durante este período de tempo, e segundo a página Base: Contratos Públicos Online, foram celebrados entre a autarquia e diferentes entidades um total de 78 ajustes directos que totalizaram aproximadamente 2,6 milhões de euros. A título de curiosidade, em igual período, o executivo socialista firmou 59 contratos no valor de 1,03 milhões de euros, menos de metade do valor. Contudo, olhando para a totalidade do mandato do PS, a factura dos ajustes directos situou-se em aproximadamente 14,5 milhões de euros, valor que incluí o contrato da obra dos parques (6,5 milhões de euros), o contrato da construção do Parque das Azenhas (2 milhões de euros) e a ampliação da Escola EB1 JI de Querelêdo (555 mil euros). Se descontarmos estas obras, de maior dimensão quando comparadas com os ajustes directos “standard”, os 14,5 milhões descem para perto dos 5,5 milhões de euros.

Claro que, entre estes contratos, figuram situações que dizem respeito a diferentes obras inquestionavelmente necessárias. Noutros casos, nomeadamente no que diz respeito a rubricas como a publicidade ou a comunicação, verifica-se a existência de valores elevadíssimos não só para aquilo que é a situação financeira deficitária da CMT, apesar do anunciado superavit de 8,1 milhões de euros, superavit esse que foi parcialmente desmontado pelo representante socialista na Assembleia Municipal de 30 de Abril Pedro Ortiga, mas também pela situação actual do país em que um governo da mesma cor do executivo trofense usa e abusa da palavra “rigor” e da ideia do “despesismo socrático”, termos que se fizeram ouvir na AM da passada semana pela voz do presidente em exercício António Azevedo e do líder do grupo social-democrata Alberto Fonseca.

Mas porque este é um tema que a todos os trofenses diz respeito, e que mexe com algo que é nosso e cada vez mais escasso – dinheiro -, irei trazer-vos a este espaço um resumo dos gastos feitos pelo actual executivo neste âmbito, em linha com alguns casos já aqui denunciados que, não levantando problemas aparentes de legalidade, configuram situações que podem legitimamente levantar dúvidas quanto à sua transparência e quanto ao respeito pelo superior interesse do concelho. Se não nos são dadas contas sobre a forma como o nosso dinheiro é gasto, preferindo-se bradar chavões ao vento enquanto se reduz o despesismo excessivo e desnecessário a uma mera luta partidária sobre quem gastou mais, vamos entrar em factos concretos e compilar uma série de elementos que, espero, sejam úteis para o leitor na altura de escrutinar o trabalho dos seus representantes. Quarta-feira trago-vos um capítulo dedicado à obra dos parques Senhora das Dores/Lima Carneiro.

Se outros só se lembram que os ajustes directos existem quando estão na oposição, o blogue E a Trofa é Minha diz “presente” quando se exige um esclarecimento acima das guerras politico-partidárias pelo poder. Até já!

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Leituras complementares:

O estranho caso de Paula Cristina Moreira Teixeira                                                                                    A nobre arte de prestar contas à população                                                                                                    Estranha forma de orgulho trofense                                                                                                      Ajustes directos: uma neblina que não quer levantar                                                                                  Uma Bolota no sapato de Sérgio Humberto

2 thoughts on “Ajustes directos: 2,6 milhões de euros no espaço de 1 ano e meio

  1. Sem querer invalidar qualquer argumento e apenas em abono da verdade, há a referir que o tipo de procedimento adotado para os Parques N.ª Sr.ª das Dores / Dr. Lima Carneiro e para o Parque das Azenhas, não foi o Ajuste Direto.
    Aliás, tal não é legalmente possível (salvo raríssimas exceções que não se aplicam a estes casos – aplicam-se, por exemplo, a um relançamento de um concurso após rescisão do primeiro contrato de empreitada por falência do empreiteiro)!

    Para fundamentar o meu “reparo”:

    Código dos Contratos Públicos
    “Artigo 19.º
    Escolha do procedimento de formação de contratos
    de empreitada de obras públicas

    No caso de contratos de empreitada de obras públicas:
    a) A escolha do ajuste directo só permite a celebração de
    contratos de valor inferior a € 150 000 ou, caso a entidade
    adjudicante seja o Banco de Portugal ou uma das referidas
    no n.º 2 do artigo 2.º, de valor inferior a € 1 000 000;”

    Cumprimentos.

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