O caso da agricultura no concelho da Trofa

O texto que se segue é da autoria de Vasco Flores Cruz.

 

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Olá amigos, com o objectivo de contribuir para a discussão dos problemas do concelho, resolvi escrever três textos sobre a agricultura, a floresta e a conservação da biodiversidade. Três temas que não parecem constar da agenda política de nenhum dos partidos, mas cuja discussão me parece urgente.

Aqui vai o primeiro:

A Agricultura

A agricultura no nosso concelho vive uma situação que me parece preocupante. Quase todos os agricultores produzem um só produto e todos eles produzem o mesmo: o leite. Mesmo que a produção de leite fosse altamente rentável, não prejudicasse o ambiente e respeitasse os direitos dos animais, qualquer alteração a este sistema (por exemplo, uma doença que atinja as vacas, um contaminante no leite, uma praga que afecte o milho ou a erva ou, ainda mais provável, uma mudança nas leis que regem o sistema de cotas e subsídios) poderá fazer com que toda a agricultura do concelho entre em colapso com graves consequências económicas e sociais.

A Feira Anual da Trofa (muito provavelmente por “interferência” das empresas de sementes, químicos e maquinaria) continua ano após ano a promover e a refinar este esquema como se não houvessem alternativas.  E neste mercado muito volátil, cheio de falsas oportunidades e manipulado por lobby’s, os agricultores sentem enorme dificuldade em encontrar culturas alternativas ou formas de escoar os seus produtos.

Para além do mais, o método de produção utilizado pelos agricultores Trofenses para produção de leite traz graves consequências ambientais.

Praticamente toda a área agrícola do concelho está ocupada pelo cultivo alternado de milho e erva para alimento das vacas leiteiras. O milho plantado no nosso concelho é milho híbrido e, ao contrário do que possam pensar, não é amarelo, pode ser cor-de-rosa, verde, azul, vermelho ou lilás conforme a marca ou o modelo. Qual a característica especial desta planta? É resistente a herbicida! E, portanto, algum tempo depois de plantar o milho, os agricultores despejam herbicida por todo o campo de forma a que morra tudo… menos o milho. Claro que parte destes químicos acabam nos lençóis freáticos e na rede hidrográfica contaminando os poços, os ribeiros e o rio Ave.

Para além de super resistente, este milho cresce desmedidamente, mas também bebe desmedidamente. Para saciar esta sede, os agricultores usam bombas que  roubam praticamente todo o caudal da ribeira das aldeias e da ribeira de Covelas, que nos meses mais secos quase não desaguam no Ave.

As vacas que vivem presas em armazéns produzem uma grande quantidade de excrementos (mais do que a que é necessária para adubar os campos de milho e  erva) e por diversos caminhos muito deste excesso de nutrientes acaba nos nossos  poços e linhas de água, contribuindo para a sua poluição e eutrofização.

Não sendo eu um especialista em agricultura, o que propunha seria a criação de um gabinete de apoio à agricultura, onde os agricultores pudessem pedir aconselhamento gratuito e não comprometido sobre métodos de produção, estratégias de mercado, acesso a financiamentos e subsídios, etc.

Os objectivos deste gabinete seriam, por exemplo:

– promover a produção de uma variedade de culturas rentáveis e alternativas ao leite (e, sempre que possível, ambientalmente sustentáveis);

– valorizar os produtos tradicionais (como, por exemplo, o melão ou as raças de gado autóctones);

– procurar que se estabeleçam protocolos entre os agricultores e o comércio  trofense de forma a que possam escoar localmente os seus produtos.

Certamente existirão outras ideias (porventura até mais válidas) sobre como desviar a agricultura do concelho desta situação de risco económico, social e ambiental, mas alguma coisa tem de ser feita! O que vos parece?

Um abraço,

Vasco Flores Cruz

11 thoughts on “O caso da agricultura no concelho da Trofa

  1. Olá Vasco!

    Gostei muito do teu contributo, sobretudo porque não é um assunto que eu me lembraria de abordar mas que, contudo, admito que faz todo o sentido. É essa a parte interessante de criar este espaço e abri-lo a todos os que queiram e saibam participar respeitando os outros: como temos todos gostos diferentes, formações diferentes, trabalhos diferentes, alargamos os pontos de vista uns dos outros.
    Realmente, e agora que penso sobre o assunto, a situação parece-me bem grave e, mais, parece-me que os governantes vão empurrando o assunto com a barriga ano após ano. Os agricultores, penso eu, optam por determinadas práticas, na maioria dos casos, também por falta de conhecimentos. Era assim há uns anos atrás e nunca tomaram conhecimento das novas alternativas, do que poderiam fazer para terem mais lucro, correrem menos riscos, prejudicarem menos o ambiente, etc. Daí a necessidade, como dizes, de dar apoio a estes trabalhadores, de não só informá-los, como formá-los, de forma independente. É que isto é tudo um círculo vicioso que tem de começar a ser mudado por algum lado!!

  2. Parabéns Vasco!!!
    Precisamos de muuuita gente a pensar assim em todos os aspectos que interessam à nossa terra.
    Grande e solidário abraço

  3. Dizes que não és um expert em agricultura mas quem lê o teu texto fica com a ideia oposta 🙂

    Acho brilhante a forma como explicas e desmontas este problema que se torna fácil de “absorver” por um verdadeiro leigo na matéria como eu. Fico com a sensação que mais do que esta matéria ser totalmente ignorada pelas “estratégias” políticas dos partidos que se candidatam à CMT, tal não deve significar muitos votos. E mais do que significar poucos votos, implica mexer com os interesses de alguns poderes instalados do nosso concelho porque este esquema de produção de leite deve ser muito rentável para os grandes latifúndios.

    Sinceramente penso que deveria ser elaborada e entregue uma proposta com vista a procurar soluções e obter um compromisso da CMT para a resolução deste problema. Deveriam ser confrontados os candidatos a Presidente da Câmara da Trofa com esta situação e perceber o que estão dispostos a fazer para tornar a agricultura no concelho mais sustentável. Se quiseres levar isto adiante, podes contar com o nosso apoio em tudo o que nos for possível!

    Um abraço ansioso pelo teu próximo contributo 🙂

  4. Muito obrigado pelos comentários. Seria de facto interessante ouvir a opinião dos candidatos sobre esta questão no entanto gostava de ter aqui ouvido outras opiniões e perspectivas principalmente de quem se dedica a esta actividade. O texto acima expõe as minhas reflexões sobre este tema e penso que serve para levantar um problema e apontar uma direcção para a solução do mesmo, mas para elaborar uma estratégia consistente é preciso pensar mais um bocadinho!

    Sara Sampaio: O Cantinho Biológico é de facto um projecto agrícola alternativo e um bom exemplo, mas infelizmente ocupa uma percentagem quase insignificante da área agrícola do concelho. Se abrires o Google Earth é até difícil encontrar o Cantinho Biológico no meio dos campos de milho! 🙂

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  7. Pelo que sei, é uma questão que se levanta um pouco por todo o país, na Europa e na América. Provavelmente será mesmo a “mudança nas leis que regem o sistema de cotas e subsídios” a colocar esta questão na ordem do dia.

    É importante referir também que o consumo de leite, tal como é praticado pela generalidade das pessoas, com a bênção da maioria dos médicos e nutricionistas, não é benéfico para a saúde dos seres humanos. Basicamente, o leite representa excesso de gordura, proteína e açúcar (lactose). A título de exemplo, vejamos: sempre ouvimos dizer que o leite torna o ossos fortes, mas na realidade estudos demonstram que nos países onde as pessoas consomem mais produtos lácteos, existe maior incidência de osteoporose.

    Portanto, a saúde pública agradece que os subsídios atribuídos aos produtores de leite, sejam transferidos para a agricultura que importa, como por exemplo a que o “Cantinho Biológico” pratica.

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